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Refrão | Léo Ottesen

Na síntese das histórias que vivi com as que inventei, sempre houve um refrão de cheiro doce e gosto ácido — azedo, que ficava martelando no lado esquerdo da minha cabeça, e pesava em meus ombros. Você.

Nunca escrevi uma linha sequer, nem talvez nunca tenha dado um beijo, que não tivessem você no meio. É loucura, eu sei. Mas, no fundo, quem ama o próprio amor deve sempre ter uma carta na manga. Um amuleto. Uma estátua consagrada a um santo — ou deus — que represente o sentimento não-presente. Pego o cavaleiro com o dragão e agradeço a São Jorge, que é Ogum, que é a Guerra e o Sangue. Não estou falando com a estátua. Estou falando com a força que habita nela. E dentro de mim. Assim, também pego você, mesmo quando nas outras, e falo com o próprio Amor. Em ti, nelas, em mim.

Difícil lidar com essa situação, penso. Talvez eu estivesse traindo, durante anos, todas as protagonistas das minhas histórias. Traindo o compromisso que selo, o amor que juro, a fidelidade que enalteço. Mas acho que talvez fosse melhor, realmente, mentir pra eles, antes de ter que mentir pra mim.

Você é o refrão. O bis. A parte da música que todo mundo consegue decorar. Aquele trecho que é cantado em qualquer ocasião, ainda que o resto todo seja nãnãnã. Você é a parte lembrada.

Mesmo que soframos as desilusões, as despedidas, as saudades (no plural mesmo)… Enfim, mesmo que vivamos de verdade. No final de tudo é legal ter um totem. Uma verdade eterna e ausente (talvez eterna justamente por ser ausente). Uma coisa toda nossa, que fica escondida nas entrelinhas da memória e que nem percebemos que está ali. Você é como as estrelas, lindas e invisíveis, porque estão sempre lá e porque não olhamos pra elas.

Você, enfim, não existe em si. Sua presença depende da presença dos outros. E da minha vontade dessa presença dos outros. Mas você existe em mim. Naquele gosto ácido e no cheiro doce.

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