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Uni Romance | Bruna Modesto


Acordei, e por força maior do hábito, virei-me para o lado para abraçá-la e desejar-lhe bom dia. Abri as cortinas, a luz fraca dos dias nublados, que passaram a ficar recorrentes, invadiu a cama: sem ela.

A cama era meu lugar favorito no mundo. Nossa cama. Hoje ela não parece mais minha, não me sinto bem dormindo nela. Ela é grande, foi feita para duas pessoas, não para mim, sozinho. Quando acordo e olho para ela, quase não há bagunça, o lençol está com as quatro pontas em seu devido lugar, não é mais aquela bagunça de quando eu dormia com ela. Eu adorava nossa cama bagunçada, hoje olho para ela com o mesmo sentimento que olho para mim: uma sensação de vazio, um vazio que é solidão, mas que também é paz.

Ela não bagunçava só a cama comigo, bagunçava a vida comigo. Éramos a bagunça perfeita. A bagunça mais bonita, mais confortável. Nunca fui de todo organizado, ela muito menos, e nos dávamos bem naquela zona. Nossa zona. Os finais de semana eram os melhores possíveis, gostávamos das mesmas músicas, das mesmas comidas e dos mesmos filmes. Acordávamos cedo só para ter mais tempo juntos, só para bagunçar a vida um do outro por mais tempo.

Ah! Como ela me bagunçava. Ouvir o som do riso dela fazia as borboletas em meu estômago entrarem em estado de metamorfose! As curvas do corpo dela, coladas ao meu corpo, me deixavam sem ar. Tamanha era a palpitação desse meu pobre coração. Tamanhos ataques cardíacos quase sofri por amor! E se fosse assim, morreria feliz, mesmo sabendo que de amor não se morre, se vive.

Mas apaixonado, não percebi que naquele romance só havia um escritor, um protagonista, um infeliz final, um só partido coração. Para ela, nunca existiu nós. Ela é moça que leva a vida sozinha, moça que ama somente a si. Ama só. E era tão grande aquele amor, que pensei que era meu, iludido. Mal sabia eu que ego não se divide, se alimenta. E lá estava eu: a presa perfeita.

Fui arrastado e hipnotizado por aquele amor, tão lindo. E ela, feliz consigo, ficou também feliz comigo. Porque afinal, é sempre bom ter companhia, não é? Fazia-me sorrir com seus poemas e juras de amor. Ela mostrava-me todos os lados bonitos do amor! Cima, baixo, dentro, fora, todos os seus avessos. E a cada ato dela para comigo, me encantava ainda mais.

Mas não sei quem cometeu pior o erro: se foi eu, por tê-la amado e não compreendido que na verdade, gostava mesmo era do amor que havia nela, e não dela. Ou se ela, por ter me dado a mão, o corpo e a alma, sem perguntar se eu estava ali para amar a mim mesmo também, junto com ela.

E nesse vai-e-vem sem dizer a quem, o desfecho:

Quando dei por mim, era tarde. Muito tarde. Não adiantavam as brigas, resistências, insistências. Só adiantava a minha desistência. Só eu éramos nós. E desse coração, encheu-se a barriga, sugou tudo o que tinha e foi alimentar-se de outros.

Deu-se por fim o romance.

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