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JOSÉ E TOCO - Diálogos e Paixões


Assobiava ele à beira de seu destino, ou melhor, mais um de seus "destinos". Daqueles destinos que não se concretizam, que não fazem jus à palavra, pois se você não chega, não é destino, mas há quem diga que é o caminho que importa de verdade, e não a chegada em si. José fechou sua banca e foi encontrar seu amigo de longa data e que por ventura fizeram a mesma faculdade juntos e assim permanecem, dois irmãos adotados pela vida.

Por algum motivo que José não saberia explicar, mudou seu percurso naquela sexta-feira de verão, tomou o caminho mais longo até o bar. Será que foi porque estava alguns minutos adiantado?, será que queria continuar tendo a brisa leve daquele dia acariciando-lhe a face?, ou será que estava atrás de uma aventura? Aventureiro como é, só podia ser! E observador, ao dobrar a esquina avistou uma bela moça na sacada, com um livro nas mãos e coração sereno emanando em seu sorriso. Sorriso esse que faz o outro sorrir sem perceber, inocente.

Fala, Zé! - Diz Toco na falsa empolgação de sempre.

- Oi, Toco. Como vai, meu amigo?

- Vou bem apesar das coisas não estarem dando muito certo no serviço, engenharia dá trabalho! As vezes lhe invejo, Zé. Queria ter tua coragem de abandonar uma carreira e levar a vida assim, solto feito um colibri.

- Ora! Você também tem a coragem correndo em suas veias, todos temos. E você ganha muito mais dinheiro que eu. Tem carro, um casarão, formou uma familia linda. Ainda há de ter seu merecido tempo de voar feito passarinho!

- Não falo de dinheiro ou status, Zé! Ora!, falo da sua alegria, sua vida mansa... Eu sempre venho ao bar um pouco cansado e você um pouco sorrindo. E sempre apaixonado, não é mesmo? - diz Toco num tom de provocação.

- Apois! Sou poeta amigo, me apaixono até por flores murchas. Eles riem.

- Mas vá, desembucha, homem! Diz o amigo dando-lhe um tapinha nas costas.

- É uma moça que eu vejo sempre que estou a caminho daqui. Certo dia mudei o rumo dos meus passos, talvez atraído pelo perfume dela, quem sabe? E então tô assim, levinho! Ela fica na sacada da casa lendo todo fim de tarde quando passo.

- E já faz tempo? Indaga Toco, curioso.

- Algumas semanas, não sei, nem me dei conta do tempo.

- E como ela é? Sorri.

- Ela não é.

- Ora, como assim? Diz Toco surpreso com a resposta.

José também está surpreso com as palavras que saltam de sua boca, nem ele sabe o por quê. Pede mais um chopp. Quem sabe o álcool ajude.

- Eu não a conheço, nem se quer sei seu nome, nem se quer ouvi sua voz, quem dirá toca-la. Ela não é minha e não quero que o sejas. Prefiro assim, tu bem sabes como é difícil o outro lado do amor, não sabes?

- Não. Tá falando do quê?

- Do sofrimento, Toco! Tá com a cabeça onde?

- Eu que lhe faço essa pergunta, oras bolas! E dá outro tapinha no ombro de José.

- Pois bem, vou lhe contar meus desamores. Aos 20 anos, se lembra da Solange? Essa mulher acabou comigo, mas me rendeu bons poemas de um conformismo doído. Pudesse eu ainda estar com ela, mal sabia o que me esperava o resto da vida até aqui. Tive tantas paixões que foram por agua abaixo que estou desacreditado da vida. Desacreditado desse mar chamado paixão. Sabe Toco, se tu olhas o mar apenas, ficarás bem, e o terá pra sempre. Mas se decides molhar os pés, você não irá parar por aí, a vontade é de ir cada vez mais fundo, até que o mar te cansa, te assusta, te esgota. E se ele não te afundar, ele te joga pra fora cedo ou tarde, assim, sem pedir permissão, sem saber das tuas vontades. É simples! Você cansa de nadar e só resta ouvir as ondas, pegar as conchas que o mar lhe traz.

Lembra-se da Antônia? Da Cris, da Joaquina? E da Mônica? A do último ano da faculdade. Tinha belos olhos azuis, desses que em corda de violão nas mãos de um poeta cego de paixão faz virar canção. Ela se foi como todas as outras. Assim sem mais nem menos, do jeito que veio elas vão. Só a poesia fica. Suspira José, inconformado.

- Certo. Mas não me lembro de você ter namorado alguma delas além da Solange. Mas e essa moça?

- Justamente! A Solange foi o único mar que me seduziu e me fez nadar! Bastou pra mim, amigo! E ah, essa moça... Não quero que ela vá embora também, por isso não me atrevo a fazer com que ela chegue. Ela é a onda sussurrando o que eu nunca consegui ouvir. Quero ama-la de longe, aos pouquinhos. Quero escrever sobre o lado bonito do amor que minhas folhas jamais viram, sabe assim? Quero que ela vire os versos que vou cantar feliz ao ir à padaria pela manhã. E não os versos amargos do meu sofrimento exagerado à lá romantismo do século XVIII.

- Entendo, entendo... Você é engenheiro do coração, Zé! E por falar em coração, veja lá - Diz Toco admirado apontando com o queixo numa direção.

- Santo Deus! É ela, Toco! É ela a moça!, que faço eu agora? Ele sussurra nervoso, escondendo-se atrás do cardápio.

- Tá desperdiçando um bom poema à lá século XVIII, Zé... Opa, talvez não. Ela está vindo.

E a moça senta ao lado do Zé, pede um drink e o encara dizendo: - Prazer, Sou Maria Luiza.

De novo não...

- Pra...prazer, sou José!

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